Existe legislação específica (lei nº 10.820, de 17/12/2003, regulamentada pelo Decreto nº 4.840, de 17/09/2003) tratando de empréstimos contratados diretamente com instituições financeiras, entretanto, ainda que seja menos usual, acontecem situações envolvendo empréstimos diretamente da empresa para funcionários. Neste caso, não existe legislação específica destinada aos empréstimos de dinheiro entre patrão e empregado, portanto, não há obrigação e nem proibição na concessão.
Quando não envolver quantias expressivas, alertamos para a possibilidade de utilização da modalidade “adiantamento salarial” (artigo 462 da CLT), sendo inclusive conduta prevista para a própria relação de emprego. Acontecendo esta situação, na realidade o empregador emprestou sob a forma de adiantamento salarial, podendo ser observada segurança jurídica na conduta desde que o procedimento conste em regulamento interno da empresa ou em outro documento coletivo de trabalho.
Esse documento poderá evitar alegações de discriminação por quem não os recebeu e deverá previamente fixar as condições para o adiantamento, tais como: tempo de aplicação da medida, forma pela qual serão efetuados os descontos, condições para a fruição do benefício, além de outros. Nesse sentido, é interessante firmar uma declaração, onde o funcionário concorde com o adiantamento salarial e com os descontos posteriores, podendo declarar, inclusive, ter ciência do regulamento da empresa sobre o tema.
Assim sendo, para valores não elevados, acreditamos que a modalidade de “adiantamento salarial” possa dar segurança jurídica aos empregadores, mas alertamos para os seguintes cuidados visando não descaracterizar o instituto:
1º) Atentar-se a parâmetros previstos por Norma Coletiva, inclusive eventuais alterações anuais;
2º) Constar em documento – Termo aditivo ou instrumento elaborado para esta finalidade – as condições do adiantamento, devendo existir a anuência do empregado;
3º) Efetuar descontos somente mensais, na mesma data, evitando descaracterização do instituto e consequentes violações legais ou declaração de nulidade dos descontos;
4º) Observar, ressalvando regras em norma coletiva, um valor mínimo a ser recebido pelo empregado, pois todos os descontos existentes, por naturezas diversas, não podem ultrapassar 70% (setenta por cento), resguardando o mínimo de 30% (trinta por cento) do salário em dinheiro.
Embora garantias adquiridas provoquem incorporação ao contrato de trabalho, as empresas acabam sempre buscando alternativas jurídicas para reter talentos, por isto o apoio aos trabalhadores com recursos financeiros pode ser avaliado de forma a não interferir no fluxo de caixa, valorizando os profissionais. Isto pode ajudar a aumentar o engajamento e ainda possibilitar a empresa participar da gestão financeira do colaborador.
Havendo demissão, alguns juristas entendem ser possível efetuar os descontos de uma só vez, sobre as verbas rescisórias, entretanto recomendamos adotar a posição mais conservadora, respeitando a proteção legal do salário (intangibilidade salarial), baseando-se no Parágrafo 5º, artigo 477, da CLT, o qual estabelece que, na rescisão contratual é proibido efetuar qualquer compensação excedente ao valor correspondente a um mês de remuneração. Assim, caso o valor remanescente do empréstimo seja superior a este patamar, a compensação acontecerá até o limite legalmente fixado, enquanto a parte excedente ficará passível de cobrança mediante os meios permitidos na legislação civil.
Quando o valor do empréstimo for elevado, recomendamos análise e tratamento mais detalhado em função do risco envolvido, inclusive avaliando a questão da correção monetária ou juros nos limites da lei, considerando o bom senso financeiro.
Embora estejam ocorrendo comumente empréstimos a empregados, existem empregadores mais conservadores, receosos de eventual decisão judicial declarando impossibilidade de descontar em folha e determinando a devolução dos valores, além da impossibilidade de desconto maior que 30% da renda ou dificuldade de recebimento com eventual rescisão. Entendemos a necessidade de se acautelar diante destes receios, por isto recomendamos a elaboração de uma política própria, expressa em regulamento interno e mediante produção dos seguintes documentos:
01) Regulamento interno ou ajuste coletivo para as hipóteses de adiantamento salarial e/ou empréstimo;
02) Contrato firmado entre as partes, ajustando o mútuo ou aditivo com regras ligadas ao empréstimo.
O Regulamento poderá estabelecer os parâmetros para o adiantamento salarial ou empréstimo. Uma vez definidos os critérios, cada operação deverá lastrear a contabilidade inclusive para determinar as datas corretas para incidência dos encargos previdenciários, imposto de renda e IOF, no caso de empréstimo, pois o empregador está obrigado a recolher os tributos diante da responsabilidade perante a pessoa física, embora possa também descontar do trabalhador, nos moldes previstos contratualmente.
Neste cenário, não é demais salientar que é importante o empregador ter a consciência do impacto a ser produzido na vida financeira do funcionário. Por isto, recomendamos, sempre que possível, que a empresa promova “programas de educação financeira”, fornecendo orientações aos seus funcionários, auxiliando-os a melhorar sua organização e planejamento orçamentários.
Por fim, advertimos aos empregadores cuidarem e acautelarem ao estabelecer os critérios através de documentos específicos, tais como acordos individuais, coletivos, contratos ou sob a forma de regulamento interno, seja para amparar situações como adiantamento salarial ou empréstimo. Não importa qual seja a prática adotada pela empresa, a cuidadosa elaboração documental ajuda a proteger não somente contra interpretações equivocadas, mas funciona como eficiente prevenção contra litígios.
Por Sérgio Melo